domingo, 22 de novembro de 2015

American Hardcore (EUA, 2006)

Filme: American Hardcore
Diretor: Paul Rachman
Ano: 2006
País: Estados Unidos
Duração: 100 minutos
Elenco: Greg Ginn, Ian MacKaye, Lucky Lehrer, Keith Morris
IMDb: 7,3



American Hardcore é um documentário baseado no livro "American Hardcore: A tribal history", escrito por Paul Rachman, que narra, citando inúmeras bandas, a criação, o desenvolvimento e o declínio deste estilo musical durante os anos de 1980 à 1986, em especial, nos Estados Unidos. O documentário não é algo que eu chamaria de trash, mas o hardcore também foi uma manifestação contra cultural importante, feito de forma independente e sem finalidade comercial. Além, é claro, de se tratar de um estilo musical que gosto tanto e por citar várias bandas que estão entre as minhas favoritas, por isso, acho que vale comentar sobre este filme, mesmo que seja uma desculpa pra falar da história do hardcore. 

Nos início dos anos 80, nos Estados Unidos, a música era dominada pela disco music, o rock vivia um momento não muito empolgante e o punk rock já não era algo tão revolucionário quanto no seu início. Era o início da era Reagan, onde, segundo a visão conservadora, as pessoas deveriam seguir um estilo de vida pré-determinado: estudar, trabalhar, constituir uma família, consumir e seguir as regras. Esta sociedade, que oprime o povo pela busca por sucesso, causou muitos insatisfeitos. Com isso, jovens começaram a demonstrar suas insatisfações e ódio às autoridades criando suas bandas e fazendo um som influenciado pelo punk rock, mas mais rápido e agressivo e menos comercial. Era o início do hardcore.


Assim como no punk, as bandas seguiam a filosofia DIY (faça você mesmo), gravando os discos de forma independente, fazendo as próprias artes para álbuns e cartazes e tocando em qualquer lugar. Ian Mackaye (Teen Idles, Minor Threat) conta que na época do Minor Threat fizeram manualmente a capa de 10.000 EPs, recortando o papel e colando.

Uma das primeiras bandas foi o Bad Brains, de Washington, formada por negros rastafáris que tocavam hardcore e reggae, mas em suas músicas hardcore, faziam um som extremamente rápido e com uma mensagem positiva, vindo a influenciar o Teen Idles, banda de Ian Mackaye, que em seguida formou o Minor Threat, sendo a precursora do movimento straight edge, que se caracterizava por um estilo de vida livre de drogas.   
Outras bandas de Washington que vieram no embalo do Bad Brains foram o S.O.A., Void, Scream e The Faith.

Outro berço do hardcore foi na Califórnia, de onde vieram o Middle Class e o Black Flag, que, assim como o Bad Brains, formam o trio que criou o hardcore. O Black Flag teve como vocalista Keith Morris, que saiu e formou o Circle Jerks, outra importante banda. Henry Rollins, que fora vocalista do S.O.A. em Washington, mudou-se para a Califórnia assumindo os vocais do Black Flag. Da Califórnia também vieram as bandas Fear e Germs, que, assim como o Black Flag e o Circle Jerks, são mencionadas no documentário The End Of Western Civilization, que narra o início do hardcore na Califórnia. 

O hardcore se espalhou rapidamente. O documentário mostra que em cada estado, jovens estavam formando as suas bandas.  Em Nevada nascia o 7 Seconds, em Oregon o Poison Idea, em Indianapolis o Zero Boys, em Winsconsin o Die Kreuzen, em Michigan o The Necros e Negative Approach, em Illinois o Articles of Faith.


Em Boston, capital de Massachusetts surgia uma cena straight edge, porém com um som ainda mais agressivo e bruto que o Minor Threat. Desta cena vieram o SSD, Gang Green, Negative FX, Jerry's Kids, DYS. Uma falha do documentário quanto à cena de Boston é não citar a excelente banda Siege, que foi de fundamental importância para a futura criação do grindcore, fastcore e power violence, embora não tenho o devido reconhecimento.
Os integrantes do Bad Brains mudaram-se para NY e lá gravaram o seu primeiro álbum, um dos mais marcantes da história do hardcore. Lá eles influenciaram o Beatie Boys, que no seu início tocava hardcore. De NY vieram Agnostic Front e Cro-Mags, que definiram o estilo durão do hardcore de lá.


Do Texas vieram Big Boys, The Dicks, Really Red, MDC e o D.R.I., esta que fazia um som bastante acelerado e que mais tarde acabou influenciando bandas que criaram o thrashcore, um dos subgêneros do hardcore que eram ainda mais rápidos. 
O filme também cita bandas canadenses, que surgiram nesta época influenciadas pelo hardcore americano, como o D.O.A.

Após a primeira metade da década o hardcore passou pelo seu declínio, com muitas bandas parando ou mudando seu estilo para algo mais comercial. O Black Flag estava fazendo músicas mais longas e menos rápidas, o SSD e DYS migraram para uma espécie de hard rock, o D.R.I. incorporou influências do thrash metal indo para o crossover. Uma falha ao meu ver quanto ao livro e o documentário, é que deveria ter sido considerado além de 1986, pois assim poderia incluir a cena youth crew que teve origem com o Youth of Today, além de bandas mais rápidas como Infest, muito influente no meio do hardcore rápido.


Infelizmente, pela grande quantidade de bandas, algumas muito importantes acabaram apenas sendo citadas rapidamente, como o Poison Idea, D.R.I., Negative Approach e Negative FX.
De qualquer forma, é um excelente documentário e totalmente recomendado àqueles que desejam conhecer mais sobre a criação do hardcore e seus principais representantes do período, que até hoje seguem influentes. O documentário traz trechos de shows e entrevistas com grandes nomes, como Henry Rollins (Black Flag), Ian Mackaye (Minor Threat), H.R. (Bad Brains), Keith Morris (Circle Jerks, OFF!) e vários outros.




segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Turbo Kid (Canadá, Nova Zelândia, 2015)


Filme: Turbo Kid
Diretor: François Simard, Anouk Whissell, Yoann-Karl Whissell
Ano: 2015
País: Canadá / Nova Zelândia
Duração: 93 minutos
Elenco:  Munro Chambers, Laurence Leboeuf, Michael Ironside

Em um futuro pós-apocalíptico passado no ano de 1997, após guerras sem fim, a humanidade destruiu a si e ao mundo, e agora sofre com um inverno nuclear e com a escassez da água, que se tornou tóxica com as chuvas ácidas.

Neste mundo perigoso, mais especificamente em Wasteland, que é dominada por Zeus e sua impiedosa gangue que detém a distribuição de água, existem corpos e destroços por toda parte. As pessoas que restaram são sujas, deformadas e com próteses mecânicas adaptadas à seus corpos. Um garoto tenta sobreviver como pode com sua bicicleta, o principal meio de transporte, caçando ratos mutantes e procurando bugigangas para trocá-las por mantimentos de extrema necessidade como água não tão limpa e gibis do seu herói preferido, o Turbo Rider.

Um dia o garoto conhece Apple, uma moça sorridente e impertinente, sedenta por amigos, que logo passa a morar e a fazer tudo com ele.
Outro sobrevivente é Frederic (o Indiana Jones pós-apocalíptico), um lutador de queda de braço, que é pego pela gangue de Zeus, cujo principal capanga é um sujeito com máscara de caveira e um lançador de serras adaptado ao braço, chamado Skeletron. Este acaba cortando a mão de Frederic quando ele tenta fugir.

Apple é capturada por uma espécie de Kung Lao ciclista e o garoto consegue fugir, indo cair em uma porta subterrânea que na verdade é a nave enterrada de Turbo Rider em pessoa. O garoto pega os acessórios do herói morto e agora torna-se o Turbo Kid!
Apple é levada junto com Frederic, em uma piscina vazia, onde terão que duelar com alguns gladiadores de Zeus. Os corpos dos derrotados serão triturados em uma espécie de liquidificador que transforma os restos humanos em água potável. 

Turbo Kid aparece para salvar Apple, mas como ainda não domina os seus novos poderes, é colocado na piscina junto com os demais. Agora eles terão que duelar para salvar suas vidas. Mas esta piscina reserva um grande banho de sangue, a começar por Apple e seu "pau de gnomo" que inicia o massacre, com direito às mais diversas mutilações e esmagamentos. Turbo Kid recorre ao seu martelo e machete, até que finalmente aprende a usar sua Turbo Luva fazendo um estrago com seu laser mortal. 


Eles conseguem fugir, mas Zeus inicia uma caçada a eles.
Durante o confronto, Apple leva um tiro, mas estranhamente sobrevive, então sabemos que ela é um robô, mas agora está danificada e irá desligar em pouco tempo se não substituírem a peça atingida. Seguindo a dica de um vendedor conhecido pelo garoto, os dois partem em busca de uma peça substituta no cemitério de robôs. Mas este homem acaba sendo pego e confessa a localização dos dois após ser torturado por Zeus com seu macabro invento, em que as entranhas da vítima estão ligadas à roda de uma bicicleta e extraídas conforme os pedais giram.

Os jovens são encontrados pela gangue de Zeus. Turbo Kid consegue eliminar dois deles com seu laser, mas Apple é decepada por Skeletron e o garoto cai em um lugar com um gás tóxico, que o faz desmaiar. Com isso ele sonha e lembra-se que Zeus e Skeletron foram quem retalharam os seus pais, não sem antes sua mãe deixar Zeus caolho com uma flechada.



Turbo Kid é salvo por Frederic e ambos vão atrás de vingança contra Zeus. Eles se encontram, mas antes terão que passar pela turminha da pesada de Zeus e suas diversas armas, mas contarão com a ajuda de Apple e seu novo corpo robótico.
Turbo Kid, com sua Turbo Luva e armas como um martelo e uma machete e Frederic com sua nova mão mecânica, transformam seus oponentes em guisado em uma batalha brutal, restando apenas Skeletron, que é eliminado a lá Bagman com o uso de um guarda-chuva, também necessário para protegê-lo da chuva de sangue resultante (ao estilo Tokyo Gore Police).
Mas Zeus também é um robô super poderoso e Turbo Kid precisará aproveitar a própria energia de Zeus para eliminá-lo!


Turbo Kid, co-produção entre Canadá e Nova Zelândia, nos lembra diretamente filmes pós-apocalípticos como Mad Max, porém sem veículos possantes e sim com bicicletas, o que até parece mais plausível em um mundo em destroços e com escassez de recursos. O filme também lembra as recentes homenagens aos anos 80, como Kung Fury, inclusive com uma característica trilha sonora e estética que nos remete àquele período. Mas algo que favorece Turbo Kid em comparação com este curta é o gore abundante e altamente divertido e maior uso de efeitos práticos, além de possuir um orçamento bem menor. 

Num primeiro momento, Turbo Kid pode parecer ter se inspirado em Kung Fury, que surgiu em 2013 como trailer falso com o mesmo estilo musical e visual oitentista videogamero, mas basta lembrar que Turbo Kid foi uma adaptação e ampliação do curta T Is For Turbo, de 2011, o qual participou da seleção para a antologia The ABC's of Death, mas não foi aprovado, dando lugar ao também ótimo T is for Toilet. 

Curta T is For Turbo:

Este foi o primeiro longa e um ambicioso projeto dos jovens diretores François Simard, Anouk Whissell e Yoann-Karl Whissell, da pequena produtora canadense RoadKill SuperStar. Sim, é isto mesmo, é o mesmo pessoal que produziu o lendário curta Bagman, inclusive utilizando lições aprendidas neste curta e fazendo diversas referências à ele, utilizando algumas das mortes hilárias, o uso peculiar do guarda-chuva, e até um dos vilões usando um saco na cabeça. Coincidência?

Com mais recursos, o trio que costumava ser protagonista nos seus curtas, se limitou a escrever e dirigir o filme, fazendo pequenas aparições no filme. Anouk e Françoius atuaram como os pais do garoto e Yoann-Karl foi um dos guardas que foi massacrado. Para os papéis principais, eles convocaram atores mais gabaritados, principalmente Michael Ironside, que atuou como o vilão e tem no currículo filmes como Horário de Visitas, Scanners, O Vingador do Futuro, Tropas Estelares, entre muitos outros. 

Turbo Kid mostra que, com um maior orçamento, o trio também é capaz de fazer trabalhos mais bem acabados e menos trash, mas sem perder a sanguinolência costumeira do seu currículo, inclusive adicionando uma história bonitinha e inocente com o romance adolescente, o que teria tudo para dar errado, mas particularmente achei o resultado bem interessante.
Recomendo!

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Staplerfahrer Klaus (Alemanha, 2000)

Filme: Staplerfahrer Klaus / Klaus, O Operador de Empilhadeira
Diretor: Stefan Prehn, Jörg Wagner
Ano: 2000
País: Alemanha
Duração: 10 minutos
Elenco: Konstantin Graudus, Gustav Adolph Artz, Jürgen Kittel
IMDb: 8,0


Staplerfahrer Klaus é um curta alemão de 2000 em formato de vídeo de segurança do trabalho, onde o narrador nos apresenta algumas regras básicas de segurança para operar uma empilhadeira e manter os seus colegas livres de cortes, perfurações, desmembramentos e demais mutilações, enquanto acompanhamos Klaus em seu primeiro dia de trabalho, mostrando tudo o que não fazer com estes veículos. 

Curta bem divertido e sangrento com mortes exageradas no melhor estilo trash, que deveria ser exibido em toda empresa que trabalha com empilhadeiras.




Konstantin Graudus, que interpreta Klaus, também atuou em Anti Bodies (2005) e em várias séries alemãs. A direção e roteiro ficaram por conta de Stefan Prehn e Jörg Wagner, que apenas dirigiram poucos curtas.

Para assistir o curta:

Ou se preferir com legendas, baixe aqui.

domingo, 2 de agosto de 2015

Garth Marengui's Darkplace (Reino Unido, 2004) [Série]

Série: Garth Marengui's Darkplace
Diretor: Richard Ayoade
Ano: 2004
País: Reino Unido
Duração: 6 episódios de 25 minutos cada
Elenco: Richard Ayoade, Matt Berry, Matthew Holness e Alice Lowe

Garth Marengui (Matthew Holness) é um escritor de livros de terror, visionário, ou como ele se denomina: um tecelão de sonhos. Ele resgata os rolos do seu antigo seriado, que não foi exibido na época por seu conteúdo altamente subversivo e assustador, que fora produzido nos anos 80, sendo escrito, dirigido e atuado por ele.  

Tudo ocorre no hospital Darkplace, onde Garth Marengui é o Dr. Rick Dagless M.D. que, apesar de médico, tem que atuar mais como um investigador de fenômenos sobrenaturais, já que ele fez um ritual no porão do hospital que abriu os portais do inferno libertando entidades malignas.


Junto com Rick, trabalha o médico e canastrão Dr. Lucien Sanchez (Matt Berry), com uma voz mais do que natural e o melhor cabelo do hospital. O hospital é administrado por Thornton Reed (Richard Ayoade), que tem as melhores atuações da série, aliás, ele que não atua, mas vive o personagem. Pra completar a equipe, chega Liz (Alice Lowe), a nova enfermeira que tem poderes psíquicos e pode ver acontecimentos no passado, futuro ou até mesmo no presente! Ela também tem poderes telecinéticos, fazendo com que objetos flutuem e ataquem as pessoas do hospital. 



Entre algumas das bizarrices que ocorrem no hospital, posso citar: um homem explode em pedaços e a cabeça decepada implora para ser morta; um olho gigante com pinto é visto violando e engravidando um homem, que dá a luz à um pequeno olho; a água é contaminada e transforma todos em macacos (com direito a uma transformação das mais convincentes); uma intrigante névoa surge trazendo fantasmas escoceses; uma contaminação transforma uma paciente em couve-flor cuja doença é sexualmente transmissível. 

Rick e sua turma precisam investigar e solucionar estes mistérios. 



Garth Marengui's Darkplace é um seriado britânico de horror e comédia, produzido em 2004 e dirigido por Richard Ayoade, que deve ser mais conhecido pela direção dos filmes Submarino (2010) e O Duplo (2013), ou pela sua atuação na série The IT Crowd, onde também participa Matt Berry, que é figura carimbada em diversas séries britânicas de comédia, como Toast Of London, Snuff Box e muitas outras. Assim como Matt Berry, Alice Lowe teve sua estréia como atriz em Garth Marengui's Darkplace, que participou de milhares de séries e de diversos filmes, incluindo alguns de Ben Wheatley (Kill List (2011) e Turistas (2012)) e de Edgar Wright (Chumbo Grosso (2007) e Heróis de Ressaca (2013)).  

O seriado tem todo um aspecto de produções baratas dos anos 80, desde a imagem tosca às músicas, repleto de defeitos especiais propositais, atuações forçadamente ruins, canastronas, falhas técnicas e de continuidade. 


O interessante é a brincadeira com a metalinguagem. Além de Garth começar apresentando o episódio, ele e o produtor e também ator Dean, que interpreta Thornton Reed (que é o próprio diretor da série), comentam detalhes sobre a produção tornando-a ainda mais engraçado. Eles falam sobre os objetos suspensos por fios (observados somente por quem não está prestando atenção na história), câmera lenta para render mais minutos, o pinto do olho gigante que teve que ser pixelado, entre outros assuntos da série.

Além de Garth Marengui, outros autores fictícios que podem ser citados são: Sutter Cane, do filme À Beira da Loucura (1994), de John Carpenter; Paul Sheldon do filme Louca Obsessão (Misery, 1990), baseado no livro de Stephen King; e Abdul Alhazred, criado pelos mitos de H.P. Lovecraft, que seria o autor do famoso Necronomicon. 

A série teve apenas uma temporada com seis episódios de cerca de 25 minutos e é uma boa opção para quem não gosta de séries novelescas intermináveis, podendo ser assistida inteira de uma vez só. 

(Agradecimentos à minha amiga Raphaela pela indicação.)

domingo, 26 de julho de 2015

Cecil B. DeMented (EUA, 2000)

Filme: Cecil B. DeMented / Cecil Bem Demente
Diretor: John Waters
Ano: 2000
País: EUA
Duração: 87 minutos
Elenco:  Melanie Griffith, Stephen Dorff, Alicia Witt

Honey Witlock (Melanie Griffith), além de uma pessoa um tanto quanto desagradável, é uma estrela de Hollywood que está indo à um evento em um cinema de Baltimore para a estreia de seu novo filme. Porém, logo vemos que os funcionários do cinema estão tramando algo e colocam seu plano em prática se rebelando armados e sequestrando a atriz.

A organização dos funcionários na verdade é uma equipe de cinema underground liderada por Cecil B. Demented (Stephen Dorff), um cineasta que repudia o grande cinema comercial de Hollywood. Cada um de seus colaboradores cinéfilos possui uma tatuagem e características do cinema de diretores, como Otto Preminger, Andy Warhol, Herschell Gordon Lewis, Sam Peckinpah, Spike Lee, David Lynch, Willian Castle, Kenneth Anger, Pedro Almodóvar, Rainer Werber Fassbinder e Sam Fuller.



Eles levam a atriz ao local onde vivem, um cinema abandonado, e a obrigam a atuar para o seu filme como uma terrorista contra a indústria do cinema, a qual ela própria faz parte. A primeira cena ocorre em um cinema que exibe um festival de filmes do Pasolini, onde os personagens reclamam da falta de público, pois saiu uma continuação dos Flintstones e desejam se rebelar contra este sistema cinematográfico. Após esta rápida cena, eles encerram as filmagens em ambiente cenográfico e, de agora em diante, filmarão o restante do filme com pessoas e situações reais.


O grupo armado passa a invadir cinemas e eventos como forma de ir contra a indústria milionária do cinema convencional. Em uma de suas intervenções, com Honey cada vez mais engajada com a ideologia do grupo, eles invadem uma convenção onde estão produtores de filmes que são questionados sobre continuações de filmes de sucesso financeiro, filmes baseado em video games e remakes de filmes estrangeiros, o qual o produtor responde alegando que os americanos não gostam de ler legendas. 

Agora fugindo da polícia e de um grupo de senhoras que defendem os inofensivos filmes família, eles entram em um cinema de artes marciais e os fãs de ação são convocados a ajudar a fuga de Cecil e sua turma. 



Em seguida eles invadem o set de filmagem da milionária continuação de Forrest Gump, rendendo os funcionários antes de um novo confronto, deixando mais mortos. Em nova fuga eles entram em um cinema pornô onde está passando um filme protagonizado por Cherish, uma das integrantes da equipe e clamam por ajuda dos fãs do pornô.

Para finalizar o filme, eles agora invadem um Drive-In e farão tudo para concluir o filme, mesmo que isto custe suas vidas em confronto com a polícia. Por fim, Cecil consegue muitos fãs, será que isso significa que ele próprio não será uma outra forma de cinema comercial?


Cecil B. Demented, de 2000, marca John Waters retornando e homenageando o cinema marginal, transgressor e anticomercial de onde ele surgiu. Mesmo que o filme não seja tão escatológico ou trash quanto a sua famosa trilogia (Pink Flamingos, Female Trouble e Desperate Living) e tenha um orçamento bem considerável (10 milhões), Cecil B. Demented mostra a fúria do cinema independente de guerrilha (aqui retratado realmente como um grupo de guerrilheiros militantes) e é um verdadeiro manifesto contra a indústria do cinema mainstream, que visa principalmente o lucro, fazendo filmes família, conservadores, moralistas, sem conteúdo, explorando franquias de sucesso à exaustão, insistindo em fazer remakes em detrimento de um cinema mais independente, autoral, contestador, inovador e realista. 

A crítica do filme também pode se aplicar ao próprio Waters, que também se rendeu ao cinema comercial quando fez filmes mais convencionais e lucrativos como Cry-Baby (1990), Mamãe é de Morte (Serial Mom, 1994) e Hairspray (1988), mostrando que como em Cecil B. Demented, ninguém está livre de ser comercializado pela indústria. 


O personagem de Cecil B. Demented pode muito bem representar um retrato autobiográfico do próprio John Waters em seu início anárquico, que fez diversos filmes com a mesma equipe, filmando sem autorização em lugares públicos, sem qualquer orçamento e preocupações técnicas e sempre disposto a subverter tabus e normas da sociedade. Os nomes dos diretores mencionados no filme são algumas influências para o seu cinema.

O nome do filme foi uma alusão ao cineasta Cecil B. DeMille, que ao contrário do personagem do filme, era conservador e ativista republicano. A história do filme foi levemente baseada em Patty Hearst, uma atriz e herdeira de um império jornalístico que foi sequestrada por membros do Exército Simbionês de Libertação (grupo com ideais marxistas e antirracistas) e que acabou se aliando à eles e ajudando-os em um assalto à um banco em 1974. O mais curiosos é que ela mesma tem uma participação no filme e em alguns outros de John Waters.

A história metalinguística com a filmagem de um filme dentro do próprio filme lembra o já comentado Terror Firmer, que também tem um caráter autobiográfico retratando Lloyd Kaufman e sua produtora Troma durante a realização de um filme, que acredito que também tenham sido muito influenciados por John Waters. 
Na trilha sonora participa a banda de grind/noisecore/experimental The Locust dando um peso e insanidade às cenas.

domingo, 19 de julho de 2015

Desperate Living (EUA, 1977)

Filme: Desperate Living
Diretor: John Waters
Ano: 1977
País: EUA
Duração: 90 minutos
Elenco:  Liz Renay, Mink Stole, Susan Lowe

Peggy Gravel (Mink Stole) acaba de sair do hospital psiquiátrico e está em casa aos cuidados de Grizelda, sua enfermeira. Peggy tem sérias crises nervosas e vive histérica gritando, com uma leve tendência à aumentar os acontecimentos, como quando acha que querem matá-la quando a bola com que os meninos brincam na rua quebra sua janela, ou quando vê os filhos pequenos pelados brincando de médico e acha que estão transando e sua filha está grávida. Para aguentar tudo isso, Grizelda costuma tomar as bebidas do sr. Gravel, que a demite por pegá-la em flagrante com uma garrafa.

O sr. Gravel tenta dar a medicação para Peggy, mas ela se nega e o acerta com uma garrafada na cabeça. Grizelda, ouvindo a gritaria, corre para o quarto e salva Peggy do marido sufocando-o até a morte sentando em sua cara.

Desesperadas, as duas fogem, mas durante a fuga são paradas por um policial que usa lingerie e quer as calcinhas e beijos das garotas para deixá-las livres. Com o policial em extase, seguem a pé para Mortville, uma vila habitada por excluídos, como assassinos, nudistas e lésbicas. Lá elas alugam um quarto em uma espelunca onde um homem acabara de se suicidar. O estabelecimento é administrado por Mole (Susan Lowe), uma ex-lutadora que fugiu para Mortville após matar o oponente e o juíz em uma de suas lutas. Ela namora Muffy (Liz Renay), uma mulher que matou a babá sufocando-a na ração do cachorro após chegar em casa e ver que seu bebê estava na geladeira.


Mas Mortville não é uma simples vila, é um reino governado com tirania pela rainha Carlotta (Edith Massey), que tem como guardas reais, homens em roupas sadomasoquistas que precisam satisfazer os desejos sexuais da rainha. Aqueles que contrariam a rainha podem ser julgados cruelmente com castigos como comer baratas. Nem sua própria filha, a princesa Coo-Coo (Mary Vivian Pearce), pode discutir com a rainha, e mesmo que ela já tenha 38 anos, não aprova que a filha veja seu grande amor, um lixeiro nudista da vila, por isso Coo-Coo decide fugir.


Enquanto a rainha se farta com um banquete, Mole e Muffy, param não passarem fome, comem um saboroso rato no café da manhã. 
Certo dia, Carlotta decreta o dia do inverso, onde todos tem que trajar roupas ao contrário e andar para trás. Andando de costas, Peggy, Grizelda, Mole e Muffy vão se divertir um pouco em um bar de lésbicas, que tem como atração um show de espancamento de homens. Grizelda logo se ambienta (até porque já tinha feito uma investida sexual com Peggy), mas Peggy, enjoada como sempre, não gosta muito do ambiente, quando mulheres a atacam ou quando seios aparecem em buracos na parede do banheiro. Assim, ela acaba indo embora.


Peggy, ainda como burguesa esnobe e conservadora, alia-se com a rainha e entrega Coo-Coo à ela. Além disso, ajuda Carlotta a espalhar raiva pela cidade.
Mole, que havia pego um bilhete de loteria de Peggy, ganha na loteria e decide fazer uma mudança de sexo, obrigando o médico e fazer um implante de pênis. Mas o novo acessório fica com uma aparência grotesca, assustando Muffy, que o corta fora.
Enquanto Peggy está do lado aristocrata da vila, Coo-Coo, agora infectada com raiva, alia-se à plebe e quer que matem a rainha. Mole e Muffy, prontas para a revolução, invadem o castelo, libertando a vila da tirania de Carlotta que finalmente alimentará o povo em uma festa em que ela própria é servida assada.


Comentários:
Desperate Living é um conto de fadas na visão de John Waters, ou seja, é sujo, imoral, grotesco, proibido, escatológico, cheio de nudez, sexo, vômitos e lesbianismo, parecendo ter sido ambientado em um lixão. Apesar de divertido, não é um filme bobo, sem nada a dizer. Waters sempre está disposto a provocar e incomodar seu expectador, sempre atacando os valores da sociedade tradicional americana e neste, satirizando um governo tirânico e fascista que é derrubado por seu cinema revolucionário. 

Ainda que eu não considere tão sujo quanto seu maior clássico Pink Flamingos, Desperate Living mantém os elementos que caracterizam o cinema transgressor de Waters, portanto, sei que muitos poderão se impressionar com o conteúdo do filme e se sentirem ofendidos ou perturbados, sobretudo aqueles que são veementemente contra a homossexualidade, tema recorrente nos filmes do diretor.

O filme tem como principais protagonistas as mulheres, e desta vez não conta com a participação da musa Divine, sempre presentes nos filmes de Waters durante este período. Além de Divine, David Lochary também não participou pois morreu de overdose em 1977. Para compensar esta ausência, Mink Stole tem uma atuação destacada, insana e histérica. Ela, juntamente com boa parte do elenco são atores recorrentes em diversos filmes do diretor.

Desperate Living custou cerca de $ 65.000 e faz parte da chamada trilogia trash de Waters, incluindo também Pink Flamingos e Female Trouble, embora também pudessem ser adicionados os mais antigos Multiple Maniacs e Mondo Trasho. Após Desperate Living, John Waters teve uma fase mais comportada e mainstream com filmes de maior orçamento, como Hairspray (1988), Cry-Baby (1990) e Mamãe é de Morte (Serial Mom, 1994), mas em 2000 faz Cecil Bem Demente (Cecil B. DeMented), onde critica a industria convencional do cinema, mas isto é assunto para um outra postagem. 

domingo, 12 de julho de 2015

They Live (EUA, 1988)

Filme: They Live / Eles Vivem
Diretor: John Carpenter
Ano: 1988
País: EUA
Duração: 93 minutos
Elenco: Roddy Piper, Keith David, Meg Foster

Um homem (Roddy Piper, creditado como Nada), chega à cidade trazendo apenas uma mochila com seus pertences em busca de emprego. Após lhe negarem vaga em uma agência de empregos, ele consegue um trabalho braçal em uma construção. Lá conhece Frank, que lhe convida para ir ao abrigo de sem tetos em que ele está vivendo. Frank deixou a família em outra cidade em busca de mais oportunidades, mas sofre as consequências de um mundo egoísta e ganancioso, onde é cada um por si. Ele está cansado disto, enquanto que Nada ainda acredita na América e tenta seguir as regras.
Durante uma transmissão de TV, ocorre uma interferência por um canal clandestino, onde aparece um homem alertando sobre sinais que induzem as pessoas a manterem-se acomodadas e indiferentes. Segundo o homem, "eles" mantêm-se à salvo enquanto a população segue adormecida e egoísta. 


Nada suspeita de um dos integrantes do acampamento, que vai de madrugada à igreja ao lado e resolve investigar. Lá descobre que a igreja trata-se de uma fachada para uma organização secreta que quer abrir os olhos das pessoas, pois é deste local que são produzidos os sinais de TV. O som do culto na verdade é uma gravação e lá encontra um laboratório, algumas lentes de óculos escuros, muitas caixas e uma faixa com os dizeres "Eles vivem, nós dormimos". 


A polícia acaba descobrindo à respeito e invade o acampamento e a igreja, destruindo-os e espancando os responsáveis pelas interferências nas transmissões. Nada entra no que sobrou da igreja e consegue uma das caixas e se decepciona ao ver que são apenas óculos escuros. Mas, ao colocar os óculos, percebe que não são simples óculos. Com eles, Nada passa a ver de outra forma as placas de publicidade. Eles consegue ver as mensagens subliminares escondidas nos anúncios, como as seguintes: "Obedeça", "Case e reproduza", "Não há livre pensar", "Consuma", "Assista TV", "Conforme-se", "Se submeta", "Não pense", "Compre", "Durma", "Não questione a autoridade", "Permaneça adormecido". As notas de dinheiro aparecem como "Este é o seu Deus". Além disto, algumas pessoas também são vistas como seres cadavéricos de outro planeta, especialmente as pessoas da elite, políticos e alguns policiais.


Nada é descoberto e os estranhos seres comunicam-se entre si através de um relógio. A polícia o persegue e ele acaba matando dois policiais, que não eram humanos. A seguir, entra armado em um banco, com diversas daquelas criaturas e manda a frase mais memorável do filme:
- "Eu vim aqui para mascar chicletes e chutar traseiros. E os meus chicletes acabaram!"


Dito isto ele começa a matar os alienígenas e sequestra uma mulher, Holy, para fugir da polícia. Eles vão até a casa dela e quando ele está distraído, ela o acerta uma garrafada o fazendo voar pela janela e rolar por um barranco abaixo.

Nada volta para tentar convencer Frank sobre os óculos, mas este se recusa a usá-lo e assim se inicia uma longa briga, digna de luta livre (aproveitando que Roddy Piper fora um lutador profissional entre 1973 e 1987). A luta leva alguns longos minutos e, com os dois quebrados, Nada consegue fazer com que Frank use os óculos e veja a cruel realidade em que estão submetidos.


Novamente como aliados, os dois vão ao novo esconderijo da organização e tomam conhecimento sobre as criaturas: eles são empresários capitalistas que vêem a Terra como o terceiro mundo do universo, sugando tudo que podem para depois explorarem outro planeta. Para isso contam com a ajuda dos próprios humanos que por dinheiro aliam-se aos alienígenas.

Só há um meio de detê-los: encontrar o sinal utilizado para manter todos alienados e destruí-lo! Naturalmente este sinal alienante é provindo de uma estação de TV.
Ainda no esconderijo, o ingênuo Nada reencontra Holy, que trabalha em um canal de TV e diz que não há nada lá. Mas como temos um caguete no local, logo em seguida um batalhão da polícia invade o esconderijo matando muitas pessoas. Encurralados, Nada e Frank convenientemente conseguem ativar o relógio de um dos aliens que tinham consigo e escapam por um portal que se cria e vão parar em uma espécie de base subterrânea. 


Andando um pouco encontram uma convenção com líderes aliens e a elite humana, que comemoram a vitória sobre um grupo de terroristas. Um dos engravatados vê os dois e, achando que estão do seu lado, faz um tour pelo local, mostrando-lhes uma espécie de estação rodoviária intergaláctica, por onde se transportam os seres do outro planeta, que, segundo ele, já controlam toda Terra e, ganancioso com é, diz que o que se pode fazer é ajudá-los e faturar com isso. Também mostra a estação de TV deles, que é onde Holy trabalha. 


Eles encontram Holy e seguem para o terraço, em direção à antena, enquanto entram em confronto com as tropas alienígenas. Só no terraço Nada descobre que Holy está do lado deles e tenta impedi-lo de destruir a antena. Mesmo encurralado por helicópteros e por Holy armada, que diz que isto não mudará nada, ele consegue atirar na antena, mesmo que isso lhe custe a vida. Assim, o sinal emitido pela antena é parado, abrindo os olhos de todos e fazendo com que o real aspecto dos aliens e das mensagens subliminares possam vistos por todos.


Comentários:
Após o fracasso comercial de Aventureiros do Bairro Proibido, Carpenter voltou às produções mais independentes e com menor orçamento. Assim, após Príncipe das Trevas, ele fez Eles Vivem, baseado no conto "Eight o'clock in the morning", de Ray Nelson, onde está mais ácido do que nunca e apresenta o seu trabalho mais crítico e político. Ele critica fortemente o capitalismo, o estímulo à individualidade, egoísmo e ganância, o consumismo, a alienação por parte da publicidade e televisão, a segregação entre classes, repressão policial defendendo o interesse de poderosos e a exploração dos mais pobres e de países menos desenvolvidos.

O que no início parece um filme convencional com uma certa crítica, torna-se um manifesto contra a alienação e consumismo quando Nada coloca seus óculos. Acredito que as imagens em preto e branco e os alienígenas que aparecem quando são colocados os óculos, são uma homenagem de Carpenter aos filmes de Sci-Fi dos anos 50, porém, como bem mencionado pelo Exumador, do Podtrash, Carpenter inverte a lógica destes filmes fazendo com que o inimigo retrate o próprio capitalismo americano, algo que já está presente e não trata-se de uma ameaça externa. 

A metáfora dos óculos escuros é interessante e clara, sendo que através dele pode-se ver o que os raios luminosos televisivos e alienantes que nos impedem de enxergar. Sobre esta questão o filme lembra um pouco Videodrome, de David Cronenberg. 

Ao retirar os óculos, Nada sente dores de cabeça, assim como aqueles que assistem às transmissões piratas, reforçando a ideia de que adquirir conhecimento não é tão cômodo como seguir na ignorância. O mesmo para justificar a longa luta entre Nada e Frank, pois a luta pela verdade é lenta, difícil e dolorida.

Infelizmente este filme é um daqueles que os teóricos da conspiração utilizam para justificar teorias Illuminatis, e de nova ordem mundial, mostrando que o mundo é dominado por determinado grupo de pessoas mas sem realmente reparar na crítica social que o filme faz. Acredito que o motivo para algumas pessoas aparecerem como os ETs-caveira, é para ilustrar claramente a segregação de classes existente. 

O personagem de Roddy Piper no filme foi uma das inspirações para o jogo Duke Nukem, tanto que uma das frases do jogo é: "It's time to kick ass and chew bubble gum, and I'm all out of gum".

Roddy Piper, além de ter sido lutador de wrestling, como ator também fez o filme Hell Comes To Frogtown. Já Carpenter, como em vários de seus filmes, também participa como compositor da trilha sonora.
Em referência musical, vale citar a banda de hardcore They Live, de Nova York, que teve inclusive um álbum chamado We Sleep.